RECOMENDAÇÃO ADMINISTRATIVA nº 04/2022
Extrajudicial – Promotoria de Proteção ao Patrimônio Público
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ, por seu
Promotor de Justiça que adiante assina, no uso de suas atribuições legais, com fundamento no artigo 27, parágrafo único, inciso IV, da Lei 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público), na forma do art. 58, inciso VII, da Lei Complementar Estadual n.º 85/1999 (Lei Orgânica do Ministério Público do Estado do Paraná) c/c o art. 6º, inciso XX, da Lei Complementar 75/93 (Lei Orgânica do Ministério Público da União);
CONSIDERANDO o contido no artigo 127 da Constituição Federal, que dispõe que “o Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”;
CONSIDERANDO o estabelecido nos artigos 129, inciso II, da mesma Carta Constitucional, bem como no artigo 120, inciso II, da Constituição do Estado do Paraná, que atribuem ao Ministério Público a função institucional de “zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia”;
CONSIDERANDO o artigo 27, parágrafo único, inciso IV, da Lei Federal n.º 8.625, de 12 de fevereiro de 1993, a qual faculta ao Ministério Público expedir recomendação administrativa aos órgãos da administração pública federal, estadual e municipal, requisitando ao destinatário adequada e imediata divulgação;
CONSIDERANDO o artigo 2º, caput, da Lei Complementar n.º 85, de 27 de dezembro de 1999, que antes de elencar funções atribuídas ao Ministério Público, reforça aquelas previstas na Constituição Federal e Estadual e na Lei Orgânica Nacional;
CONSIDERANDO que o mesmo diploma legal supramencionado, em seus artigos 67, § 1º, inciso III, e 68, inciso XIII, item 10, dispõe que ao membro do Ministério Público incumbe, respectivamente, “atender a qualquer do povo, ouvindo suas reclamações, informando, orientando e tomando as medidas de cunho administrativo ou judicial, ou encaminhando-as às autoridades ou órgãos competentes” e “efetuar a articulação entre os órgãos do Ministério Público e entidades públicas e privadas com atuação na sua área”;
CONSIDERANDO que chegou ao conhecimento desta Promotoria de Justiça de que o Município de Dois Vizinhos não realiza testes seletivos para contratação de estagiários, realizando contratação por intermédio do CIEE (Centro de Integração Empresa- Escola), com análise de currículo;
CONSIDERANDO que, ao ser questionado, o Município informou que são considerados na contratação a escolaridade, a idade e o histórico profissional, a fim de selecionar as melhores qualificações que melhor se adéquam à demanda da Administração;
CONSIDERANDO que a estagiária Ellen Yascara Ruzciski da Costa havia sido contratada para estagiar junto ao Departamento de Trânsito, no entanto, ao chegar no referido departamento para iniciar suas atividades foi informada pelo Diretor do de que o contrato foi cancelado por determinação do Secretário de Planejamento e Ações Estratégicas;
CONSIDERANDO a instauração nesta Promotoria de Justiça da Notícia de Fato n. MPPR-0048.22.000111-8 para “apurar eventual violação aos princípios da Administração Pública na contratação de estagiários pelo Município de Dois Vizinhos/PR”;
CONSIDERANDO que o estagiário na administração exerce função pública e recebe, via bolsa ou contratação, dinheiro público em razão das atividades
desempenhadas, de modo que há necessidade de concurso público ou, pelo menos, processo seletivo, para seleção desses estudantes, na forma do art. 37, inciso II, da Constituição da República1;
CONSIDERANDO que o Superior Tribunal de Justiça reconheceu o enquadramento do estagiário como agente público para efeitos de responsabilização por ato de improbidade administrativa2;
CONSIDERANDO que os princípios jurídicos, embora dotados de elevada abstração valorativa, espelham diretrizes a serem seguidas pelo Estado, servindo como fundamento de validade para a sua atuação, seja no Poder Legislativo, Executivo ou Judiciário;
CONSIDERANDO que na atual Constituição Federal, notadamente em seu art. 37, “caput”, consagrou-se a vinculação da Administração Pública aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência;
CONSIDERANDO que, no voto dado pelo Min. Luiz Fux, o qual foi acolhido pelo Plenário para julgar improcedente a ADI n. 5752/SC3 , consignou-se que
1 Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (…) II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;
2 IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ESTAGIÁRIA. ENQUADRAMENTO NO CONCEITO DE AGENTE PÚBLICO PRECONIZADO PELA LEI 8.429/92. PRECEDENTES. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. (…) 3. O Tribunal a quo negou provimento aos Embargos Infringentes do ora recorrente, e assim consignou na decisão: "Por isso mesmo, não se pode considerar probo o contexto em que um estagiário possui poder semelhante ao de um agente público, reclamando cautela a imposição das reprimendas cominadas à improbidade administrativas a eventual excesso do estagiário." (fl. 476). 4. Contudo, o conceito de agente público, constante dos artigos 2º e 3º da Lei 8.429/1992, abrange não apenas os servidores públicos, mas todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função na Administração Pública. 5. Assim, o estagiário que atua no serviço público, ainda que transitoriamente, remunerado ou não, se enquadra no conceito legal de agente público preconizado pela Lei 8.429/1992. Nesse sentido: Resp 495.933-RS, Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 19/4/2004, MC 21.122/CE, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. p/ Acórdão Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 13/3/2014. 6. Ademais, as disposições da Lei 8.429/1992 são aplicáveis também àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma, direta ou indireta, pois o objetivo da Lei de Improbidade é não apenas punir, mas também afastar do serviço público os que praticam atos incompatíveis com o exercício da função pública. 7. Recurso Especial provido. (STJ - REsp: 1352035 RS 2012/0231826-8, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 18/08/2015, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 08/09/2015 RJTJRS vol. 299 p. 51)
3 AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. LEI ORGÂNICA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DE SANTA CATARINA. CRIAÇÃO DE PROGRAMA DE ESTÁGIO PARA ESTUDANTES DE PÓS-GRADUAÇÃO NO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL. AUSÊNCIA DE USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIAS LEGISLATIVAS PRIVATIVAS DA UNIÃO. DIPLOMA QUE NÃO REGULAMENTA MATÉRIA AFETA A DIREITO DO TRABALHO. COMPATIBILIDADE DA NORMA COM A LEGISLAÇÃO FEDERAL QUE DISCIPLINA A MATÉRIA (LEIS FEDERAIS 9.394/1996 E 11.788/2008). INEXISTÊNCIA DE AFRONTA AO PRINCÍPIO DO CONCURSO PÚBLICO. ESTABELECIMENTO DE CRITÉRIOS OBJETIVOS PARA A SELEÇÃO DOS ESTUDANTES CONTEMPLADOS PELO PROGRAMA. AÇÃO DIRETA CONHECIDA. PEDIDO
“notadamente, ainda que não se esteja diante de contratação de servidor público temporário, como já exposto no presente voto, é indispensável a observância aos princípios da impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência administrativas”;
CONSIDERANDO o voto do Min. Relator Ayres Britto, acolhido à unanimidade pelo Plenário na ADI 3795/DF4, que “se o número de pretendentes a estágio profissionalizante é sempre maior que a disponibilidade de vagas no setor público – ninguém põe em dúvida essa afirmativa –, nada mais racional e justo que a própria Administração opte por estabelecer critérios que signifiquem tratamento isonômico aos interessados. Sem favorecimentos e preterições, portanto. Critérios que, além do mais, primem por uma objetividade tal que ponha em estado de concreção o princípio da impessoalidade, impeditivo da quase sempre patrimonialista indistinção entre o espaço público da Administração e o espaço privado do administrador” (STF – ADI 3795, Relator Min. Ayres Britto, Tribunal Pleno, julgado em 24/2/2011, republicação DJe 16/6/2011);
CONSIDERANDO que, de acordo com Celso Antônio Bandeira de Mello, “violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer”. Isso porque, a inobservância ao princípio resulta em ofensa não apenas “a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos”. Trata-se, em conformidade com o mencionado autor, da mais grave forma de ilegalidade ou de inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, “porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra”5;
CONSIDERANDO que, ao tratar do princípio da legalidade, J. J. GOMES CANOTILHO afirma que6:
JULGADO IMPROCEDENTE. (STF - ADI: 5752 SC - SANTA CATARINA 0008054-70.2017.1.00.0000, Relator: Min. LUIZ FUX, Data
de Julgamento: 18/10/2019, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-238 04-11-2019)
4AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 4º DA LEI 3.769, DE 27 DE JANEIRO DE 2006, QUE VEDA A REALIZAÇÃO DE PROCESSO SELETIVO PARA O RECRUTAMENTO DE ESTAGIÁRIOS PELOS ÓRGÃOS E ENTIDADES DO PODER PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA IGUALDADE (ART. 5º, CAPUT) E DA
IMPESSOALIDADE (CAPUT DO ART. 37). Ação direta procedente. (STF - ADI: 3795 DF, Relator: AYRES BRITTO, Data de Julgamento: 24/02/2011, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 16/06/2011)
5 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 5. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1994, p. 451.
6CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003, p. 833.
“O princípio da legalidade, atrás referido, será aqui entendido no sentido que actualmente dá a doutrina a tal princípio. Isto significa que a administração está vinculada à lei não apenas num sentido negativo (a administração pode fazer não apenas aquilo que a lei expressamente autorize, mas tudo aquilo que a lei não proíbe), mas num sentido positivo, pois a administração só pode actuar com base na lei, não havendo qualquer espaço livre da lei onde a administração possa actuar como um poder jurídico livre.”
CONSIDERANDO que a legalidade, como princípio de Administração Pública, significa que o administrador está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei em vigor e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se a responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme seja o caso;
CONSIDERANDO que ao agente público impõe-se, ainda, o respeito ao princípio da impessoalidade, que significa, com escólio de HELY LOPES MEIRELLES:
“O princípio da impessoalidade referido na Constituição de 1988 (art. 37, caput) nada mais é do que o clássico princípio da finalidade, o qual impõe ao administrador público que só pratique o ato para o seu fim legal. E o fim legal é unicamente aquele que a norma de direito indica expressa ou virtualmente como objetivo do ato, de forma impessoal. Esse princípio também deve ser entendido para excluir a promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos sobre suas realizações administrativas (CF, art. 37, § 1º). O princípio ou regra da impessoalidade da Administração Pública significa que os atos e provimentos administrativos são imputáveis não ao funcionário que os pratica, mas ao órgão ou entidade administrativa em nome do qual age o funcionário. Este é um mero agente da Administração Pública, de sorte que não é ele o autor institucional do ato. Ele é apenas o órgão que formalmente manifesta a vontade estatal. […].7”
CONSIDERANDO que referido princípio impõe que a conduta administrativa seja exercida de acordo com os escopos da lei precisamente para evitar
7Direito Administrativo Brasileiro. 20 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1995. p. 85.
autopromoções de agentes públicos, banir favoritismos, evitar o extravio do interesse público, repugnar perseguições governamentais, coibir o abuso de poder – mormente para impedir que o agente pratique ação ou omissão para beneficiar a si próprio ou a terceiros valendo-se, para tal ímpeto, da máquina pública;
CONSIDERANDO, ainda, o princípio da moralidade que, na voz de Maria Sylvia Zanella Di Pietro:
(…) sempre que em matéria administrativa se verificar que o comportamento da Administração ou do administrado que com ela se relaciona juridicamente, embora em consonância com a lei, ofende a moral, os bons costumes, as regras de boa administração, os princípios de justiça e de equidade, a ideia comum de honestidade, estará havendo ofensa ao princípio da moralidade administrativa.8
Igualmente esclarecedora é a lição de Lúcia Valle Figueiredo:
(…) o princípio da moralidade vai corresponder ao conjunto de regras de conduta da Administração que, em determinado ordenamento jurídico são consideradas os standards comportamentais que a sociedade deseja e espera.9
CONSIDERANDO que, com efeito, o princípio da moralidade determina à Administração Pública o respeito aos padrões de ética e de honestidade, ditados tanto pela moral jurídica, interna da própria Administração, quanto pelo senso de moralidade pública comum, isto é, o comportamento público (standards comportamentais) que a sociedade deseja, correspondentes ao anseio popular de ética na Administração para o atendimento do bem comum;
CONSIDERANDO o princípio da publicidade, “dever que se impõe à Administração, por força do que dispõe o art. 37 da CF, obrigando-a à ampla divulgação de seus atos em virtude do manejo da coisa pública. Por isso, ao cidadão, indistintamente, o art.
8Direito Administrativo. 3 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 1993. p. 6.
9Direito Administrativo. 5 ed. São Paulo: Atlas, 1995, p. 71.
5º, inc. XXXIII, da Constituição Federal, assegura o direito de receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, de interesse coletivo ou geral10”;
CONSIDERANDO que “a contratação pública não pode ser feita em esconderijos envernizados por um arcabouço jurídico capaz de impedir o controle social quanto ao emprego das verbas públicas”11;
CONSIDERANDO “o dever administrativo de manter plena transparência em seus comportamentos impõe não haver em um Estado Democrático de Direito, no qual o poder reside no povo (art. 1º, parágrafo único, da Constituição), ocultamento aos administrados dos assuntos que a todos interessam, e muito menos em relação aos sujeitos individualmente afetados por alguma medida”12;
CONSIDERANDO o contido na Lei Federal n. 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação – LAI), que dispõe sobre a transparência na Administração Pública;
CONSIDERANDO que os Tribunais Estaduais já decidiram sobre a obrigatoriedade de obediência aos princípios da Administração Pública na contratação pública de estagiários:
REMESSA NECESSÁRIA - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - MINISTÉRIO PÚBLICO - MUNICÍPIO DE DIVINÓPOLIS E CÂMARA MUNICIPAL DE DIVINÓPOLIS - RECRUTAMENTO E CONTRATAÇÃO DE ESTAGIÁRIOS - NECESSIDADE DE PROCESSO SELETIVO PÚBLICO COM CRITÉRIOS OBJETIVOS E COM RESERVA DE VAGAS PARA PORTADORES DE DEFICIÊNCIA - PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DE PUBLICIDADE, IMPESSOALIDADE, IGUALDADE E MORALIDADE - LEI 11.788/2008 - APLICABILIDADE - SENTENÇA
CONFIRMADA EM REMESSA NECESSÁRIA. 1) Ressalvadas as exceções previstas na Constituição Federal, quaisquer formas de contratação/admissão de pessoal realizadas
10(STF - ARE: 1331423 RS 0234571-92.2016.8.21.0001, Relator: ALEXANDRE DE MORAES, Data de
Julgamento: 01/07/2021, Data de Publicação: 06/07/2021)
11(STF - ARE: 1331423 RS 0234571-92.2016.8.21.0001, Relator: ALEXANDRE DE MORAES, Data de
Julgamento: 01/07/2021, Data de Publicação: 06/07/2021)
12 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 27 edição. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 114
pela Administração Pública devem obedecer aos princípios da igualdade, publicidade, moralidade e impessoalidade. 2) Assim, a contratação de estagiários pelo Município de Divinópolis e pela Câmara Municipal de Divinópolis deve ser através de Processo Seletivo Público, com critérios objetivos e com observância da reserva de vagas (10% da quantidade de vagas oferecidas) destinadas a portadores de deficiência, nos termos da Lei Federal n. 11.788/2008. 3) Sentença confirmada na remessa necessária. (TJ-MG - Remessa Necessária-Cv: 10000180563660001 MG, Relator: Hilda Teixeira da Costa, Data de Julgamento: 27/11/2018, Data de Publicação: 29/11/2018)
CONSIDERANDO que o agente público deve agir em conformidade com a Constituição na execução da lei;
CONSIDERANDO que o Ministério Público, enquanto garantidor da ordem jurídica democrática e fiscal da legalidade, é preferível estimular o gestor “a tomar decisões acertadas e criativas, desde que voltadas para os interesses da sociedade, sem qualquer menoscabo ao núcleo essencial dos direitos fundamentais”13.
CONSIDERANDO que a Recomendação Administrativa é um importante instrumento de que dispõe o Ministério Público para ver respeitado o ordenamento jurídico sem que haja a necessidade de judicialização de eventuais conflitos, alertando seus destinatários sobre a existência de normas vigentes e da necessidade de seu estrito cumprimento, sob pena de responsabilização;
CONSIDERANDO, ainda, que, apesar de não dotada de caráter vinculante, a Recomendação Administrativa é apta a “caracterizar o dolo, má-fé ou ciência da irregularidade para viabilizar futuras responsabilizações em que o elemento subjetivo é exigido (art. 11 da Lei n. 8.429/1992 ou crimes dolosos notadamente)”14;
CONSIDERANDO o uso Recomendação, a qual pretende “priorizar a precisa e customizada resolução não adversarial e cooperativa, em lugar da perpetuação
13 FERRAZ, Luciano. Controle consensual da Administração Pública. Belo Horizonte: Fórum, 2019.
14 GAVRONSKI, Alexandre Amaral. Tutela coletiva: visão geral e atuação extrajudicial. Brasília: Escola Superior do Ministério Público da União, 2006. p. 107-109.
deletéria de processos”15, precisamente para evitar o ajuizamento de ação civil pública para a defesa de direitos coletivos (Lei nº 7.347/1985) ou por ato de improbidade administrativa (Lei nº 8.429/92), eis que não haverá justa causa para intentá-las ante o acatamento da recomendação expedida;
CONSIDERANDO que o entendimento também parte da melhor solução extrajudicial no âmbito da Administração Pública, consectário da Lei de Introdução às Normas Brasileiras (LINDB) com as modificações da Lei nº 13.655/2018, solução que se traduz pela leitura atenta do art. 26:
Art. 26. Para eliminar irregularidade, incerteza jurídica ou situação contenciosa na aplicação do direito público, inclusive no caso de expedição de licença, a autoridade administrativa poderá, após oitiva do órgão jurídico e, quando for o caso, após realização de consulta pública, e presentes razões de relevante interesse geral, celebrar compromisso com os interessados, observada a legislação aplicável, o qual só produzirá efeitos a partir de sua publicação oficial.
CONSIDERANDO que a aplicação imediata e irrestrita das inovações trazidas pela Lei nº 14.230/2021, em que pese possam, eventualmente, apresentar-se necessárias aos fins almejados e adequadas sob o ponto de vista do meio utilizado, ao ensejar o reconhecimento da atipicidade de fatos graves já consolidados (há anos consumados) ou a extinção da ação em face do novel e exíguo prazo prescricional intercorrente, afiguram-se intensamente desproporcional, ao ensejar proteção insuficiente ao direito fundamental à probidade administrativa;
CONSIDERANDO que não obstante o princípio da retroatividade da lei mais benéfica seja aplicável ao âmbito do Direito Administrativo Sancionador, é necessário compatibilizá-la com a proteção contra o retrocesso legislativo (consoante dispõe o artigo
15 FREITAS, Juarez. Direito administrativo não adversarial: a prioritária solução consensual de conflitos. Revista de Direito Administrativo, Belo Horizonte, n. 276, set./dez. 2017. Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/72991/71617. Acesso em: 7 abr. 2021.
65, nº 2, da referida Convenção) e com a regra da proporcionalidade, especialmente sob a vertente da proteção insuficiente dos direitos fundamentais (dentre os quais se inclui a proteção ao direito fundamental à probidade administrativa)16;
CONSIDERANDO ser de rigor o reconhecimento da aplicação da nova lei de improbidade administrativa a partir da publicação, alternativa hermenêutica legítima e justa, posto que medida menos gravosa, empresta atendimento à vontade do legislador e, a um só tempo, preserva o conteúdo essencial do direito fundamental à probidade administrativa, prevenindo-se retrocessos no enfrentamento à corrupção e atendendo a proporcionalidade;
CONSIDERANDO que embora dotados de elevada abstração valorativa, os princípios jurídicos espelham diretrizes a serem seguidas pelo Estado, servindo como fundamento de validade para a sua atuação, seja no Poder Legislativo, Executivo ou Judiciário;
CONSIDERANDO que a Constituição Federal, notadamente em seu art. 37, caput, consagrou a vinculação da Administração Pública aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência;
CONSIDERANDO o art. 11 da Lei nº 8.429/92 é categórico ao dispor que constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições:
16 Sobre a irretroatividade das normas mais benéficas aos réus no âmbito do Direito Administrativo Sancionador, Rafael Munhoz de Mello (Princípios constitucionais de direito administrativo sancionador, 2007) aduz que: “A regra é a irretroatividade das normas jurídicas, sendo certo que as leis são editadas para regular situações futuras. O dispositivo constitucional que estabelece a retroatividade da lei penal mais benéfica funda-se em peculiaridades únicas do direto penal, inexistentes no direito administrativo sancionador. Com efeito, a retroatividade da lei penal mais benéfica tem por fundamento razões humanitárias, relacionadas diretamente à liberdade do criminoso, bem jurídico diretamente atingido pela pena criminal. […] Por tais fundamentos, não se pode transportar para o direito administrativo sancionador a norma penal da retroatividade da lei que extingue a infração ou torna mais amena a sanção punitiva. No direito administrativo sancionador aplica-se ao infrator a lei vigente à época da adoção do comportamento ilícito, ainda que mais grave que lei posteriormente editada. Diversamente do que ocorre no direito penal, assim, não há no direito administrativo sancionador o princípio da retroatividade da lei mais benéfica ao infrator.”
Eis que a ideia de improbidade administrativa passa pelo descumprimento, por atos dos agentes públicos, dos preceitos constitucionais e legais básicos que regem o setor público, resumindo-se em duas exigências fundamentais: legalidade e moralidade dos atos dos agentes públicos.17
CONSIDERANDO as penalidades pela violação aos princípios da Administração Pública, disposta na Lei nº 8.429/92 insere no art. 12, inciso III: a) ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública; b) suspensão dos direitos políticos de 3 (três) a 5 (cinco) anos; c) pagamento de multa civil de até 100 (cem) vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e d) proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 3 (três) anos:
a) observem que a contratação de estagiários dos órgãos públicos aos quais são vinculados deve se dar por meio de teste seletivo, a fim de observar os princípios da isonomia, impessoalidade, legalidade, moralidade e eficiência, consoante art. 37, da CRFB/1988;
b) observem que os testes seletivos devem ser precedidos de edital no qual contenham normas acerca da inscrição, do valor da bolsa, do processo de seleção de candidatos, da aprovação e do regime de contratação, e com a ampla divulgação dos editais nos meios de comunicação oficial, locais e regionais, com prazo razoável de antecedência ao teste seletivo, a fim de respeitar o acesso à informação e a transparência, na forma da Lei Federal n. 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação – LAI);
c) abstenham-se de contratar estagiários sem o procedimento acima mencionado, especialmente mediante contratações por critérios subjetivos não especificados,
17 OSÓRIO, Fábio Medina. Improbidade Administrativa. 2 ed. Porto Alegre: Ed. Síntese, 2008. p.61.
bem como abstenham-se de renovar os contratos vencidos que foram firmados sem prévia seleção isonômica;
Os destinatários têm o prazo de 15 (quinze) dias, a contar da presente data, para informar o acatamento da Recomendação Administrativa, mediante manifestação subscrita pelos próprios destinatários, advertindo-se que o silêncio será interpretado como recusa em atendê-la, ou para encaminhar justificativa técnico-jurídica consistente em relação às consequências práticas dessa decisão, aos obstáculos e dificuldades reais identificada. Em caso de acatamento, solicita-se o envio de informações. Em caso de acatamento, solicita-se o envio de informações sobre as medidas tomadas para a realização de testes seletivos e regularização da contratação dos contratos vigentes.
Com fundamento no artigo 27, parágrafo único, inciso IV, da Lei Federal 8.625/93, REQUISITA-SE a publicação desta Recomendação Administrativa no website do Município, independentemente de seu acolhimento, o que também deverá ser comprovado no mesmo prazo acima.
Dê-se ciência da Recomendação Administrativa aos(a) Srs(as). Procuradores(as) dos Municípios e das Câmaras de Vereadores de Dois Vizinhos, Cruzeiro do Iguaçu, Boa Esperança do Iguaçu e Verê.
Dois Vizinhos/PR, data da assinatura digital.
ALEXSANDRO LUIZ DOS
Assinado de forma digital por ALEXSANDRO LUIZ DOS SANTOS:02333157992
-03'00'
Promotor de Justiça